Hoje em dia, tudo parece girar em torno dos celulares e seus aplicativos, não é?
Toda a inovação. Todos os grandes lançamentos. Todos os rumores, fofocas, entusiasmo.
No mês passado, um funcionário da Apple se descuidou e esqueceu um protótipo altamente sigiloso do próximo iPhone em um bar no Vale do Silício. Manchetes! Escândalos! Blogs!
Mas tudo isso só aconteceu porque se tratava de um celular capaz de operar aplicativos. Se ele tivesse esquecido na taverna uma câmera de vídeo, aparelho de GPS ou computador equipado com Windows, o aparelho certamente estaria juntando poeira na caixa de achados e perdidos guardada por sob o balcão.
A notícia mais recente sobre celulares inteligentes e seus aplicativos: Depois de meses de rumores e vazamentos, a Microsoft acaba de lançar seus novos celulares Kin para os jovens antenados das metrópoles, e o Incredible, da HTC, chegou para saciar os apetites dos fãs do sistema Android. (O Android é o sistema operacional que o Google criou para celulares inteligentes.) Em graus diferentes, todos eles são modelos desejáveis e dignos de atenção.
Todos estão disponíveis pela operadora Verizon, possivelmente a menos amigável para com seus assinantes mas ainda assim aquela que ostenta a melhor rede móvel no mercado dos Estados Unidos.
Há dois modelos na linha Kin: o Kin One e o Kin Two, vendidos por US$ 50 e US$ 100, respectivamente (com o desconto da operadora para os assinantes de planos pós-pagos).
Os dois são acionados pelo mesmo sistema operacional (produto novo da Microsoft, precursor do Windows Phone 7 OS, que está para ser lançado). Ambos são relativamente espessos, porque suas telas ocultam teclados QWERTY. Eles exibem quatro botões: liga/desliga, volume câmera e (logo abaixo da tela) um botão de retorno. Esquisito, mas funciona. A forma é a diferença primária entre o One e o Two. O One, mais intrigante, é um quadrado compacto, com cantos arredondados. Não fosse feito de plástico preto, seria fácil confundi-lo com um brownie que alguém achatou.
O Two é um retângulo preto mais tradicional, e a imagem na tela gira acompanhando o movimento do telefone. É mais fácil digitar nele, porque seu teclado dispõe de muito mais espaço. O Two também oferece oito gigas de memória, ante os quatro do One, e sua câmera tira fotos com oito megapixels de resolução, ante cinco megapixels no One; a câmera do Two também grava vídeos de alta definição, enquanto a do One tem definição convencional. A tela do Two, claro, é maior.
Tecnicamente, é bom dizer, nenhum dos dois é um celular inteligente para aplicativos. Pode-se realizar coisas parecidas com as do iPhone, como saltar de tela a tela movendo os dedos sobre a superfície, ou ampliar uma imagem com um gesto sobre a tela. Curiosamente, porém, não é possível instalar aplicativos nesses modelos. A ¿Kin App Store¿ é uma miragem, por enquanto.
O objetivo dos aparelhos, em lugar disso, é servir como instrumento de comunicação aos consumidores jovens e antenados. Por exemplo, uma das três telas de entrada exibidas lado a lado mostra em uma faixa vertical atualizações de Twitter, MySpace, Facebook e blogs favoritos, bem como notícias.
A Microsoft teve três ideias genuinamente brilhantes. Primeiro, o Kin opera como um player Zune de música, com o bom (e subestimado) software Zune e acesso ao mesmo plano mensal de download ilimitado de música por US$ 15.
Segundo, é possível postar ou enviar quase qualquer coisa - foto, página de Web ou tweet - arrastando a imagem para um ponto verde na parte baixa da tela. É uma espécie de estacionamento para as coisas que você planeja enviar aos amigos.
A obra-prima da Microsoft, porém, é o Kin Studio. Trata-se de um site pessoal, com uma cronologia aberta a buscas de tudo aquilo que você tenha feito com o seu celular. Operando de forma silenciosa, o site recolhe cópias de todas as imagens e vídeos que você registre, todos os números de telefone discados, todas as mensagens de texto enviadas. O recurso serve como backup mas também como uma representação radical daquilo que o usuário andou fazendo (para não mencionar como uma excelente prova de infidelidade em processos de divórcio).
Em termos gerais, a Microsoft realizou excelente trabalho ao acumular mais de 100 recursos distintos em apenas alguns poucos controles, com um design gráfico que consegue ser cool e jovem sem parecer que está se esforçando.
Mas mesmo os usuários na casa dos 20 anos podem se irritar com as telas de toque ocasionalmente lentas, as animações tremidas e a sensação geral de produto barato (o Kin, por algum motivo, é fabricado pela Sharp). E não há qualquer recurso de assistência à digitação. O aparelho não sugere correções ortográficas, não completa palavras, não gerencia maiúsculas automaticamente e nem mesmo insere os apóstrofos em contrações como "don't" e "you're".
E há também a questão do preço. A Verizon cobra US$ 90 ao mês, no mínimo, por um plano de voz com mensagens de texto - o mesmo que o usuário pagaria por um celular inteligente real e dotado de aplicativos, como o Droid ou o Palm Pre. Os concorrentes do Kin custam um pouco mais mas fazem muito mais - e com velocidade muito superior. Um bom exemplo seria o HTC Incredible.
Optar pelo nome - Incredible - para um celular, aliás, requer ousadia. A menos que a máquina seja realmente magnífica, é como pedir para ser ridicularizado. No entanto, um fabricante que ofereça velocidade, acabamento requintado e um bom design poderia arriscar o uso de um nome como Incredible.
E a HTC em larga medida faz jus ao nome. Não conheço outro celular inteligente tão rápido. Tudo acontece de maneira instantânea - abrir e fechar aplicativos, fazer zoom. O software Android não navega tão fácil quando o do iPhone - mas no caso do Incredible os erros do usuário importam menos, porque não lhe custam tanto tempo.
Não são grandes avanços em termos de design que diferenciam esse aparelho liso, negro e dotado de tela plana, dos seus predecessores; a única diferença aparente está no painel traseiro, que ostenta diferentes camadas que trazem à mente a sobreposição de campos de arroz usada na Indonésia. O que importa no Incredible são os detalhes. Quando um produto é refinado grande número de vezes, surge a possibilidade de que se torne efetivamente incrível.
A tela serve como exemplo. O aparelho vem com uma grande tela de 3,7 polegadas, brilhante e colorida. O Incredible conta com oito gigas de memória interna, mas traz uma porta para cartões de memória que pode expandir essa capacidade em até 32 gigabytes adicionais. (No entanto, alguns aplicativos não funcionam se os cartões estiverem em uso).
A câmera também surpreende - e como. Para fotos, sua resolução é de oito megapixels, com a iluminação de duplos flashes LED, se necessário. A câmera conta com regulagem automática de foco e com um timer, e grande número de controles de imagem; as fotos são as melhores que se pode obter com um celular.
O Incredible vem equipado com a mais recente versão do Android; entre outras virtudes, ele oferece um excelente sistema de navegação em GPS capaz de fornecer instruções detalhadas para motoristas; também permite que o usuário dite textos que o aparelho exibe digitados na tela ¿um recurso ainda imperfeito mas especialmente útil para um celular que, como este, não dispõe de teclado físico.
A HTC também oferece uma versão ainda mais poderosa do Android, que ela chama de Sense. O Incredible pode operar com sete páginas iniciais de aplicativos e widgets - e não três ou cinco, como na maioria dos demais celulares Android. Basta usar dois dedos para reduzir essas telas a pontos, que podem ser redispostos na tela com facilidade. Há um excelente rádio FM que pode ser usado caso os fones de ouvido do aparelho estejam conectados.
Um aplicativo chamado Friendstream recolhe as atualizações de Facebook, Flickr e Twitter dos amigos do usuário em uma tela única (como no Kin). Também basta clicar no nome de alguém na agenda do aparelho para ver todos os e-mails, mensagens de texto, fotos de Flickr e atualizações de Facebook da pessoa.
Não resta dúvida de que o Incredible é o melhor dos celulares Android até agora. Mas, como todo mundo vive perguntando, isso bastará para derrotar o iPhone?
Bem, o aparelho vem com muito software, e mais recursos significam mais complexidade. O Incredible não é um celular para quem se assusta com tecnologia. (Levei horas para descobrir por que a tela não girava quando eu inclinava o aparelho; isso acontece porque a tela do Incredible só gira caso o aparelho seja inclinado no sentido anti-horário).
Os aplicativos na loja do Android não são tão bacanas quanto os da loja Apple; e apesar das controvérsias sobre as limitações que a Apple impõe aos aplicativos que vende, a loja do iPhone é claramente mais ordenada que a do Android.
O Incredible é muito mais rápido e equipado que o atual iPhone - e não derruba ligações em Nova York e na Califórnia. Mas a Apple lança um iPhone novo a cada mês de junho e, se o aparelho encontrado no bar do Vale do Silício serve de indicação, o do mês que vem será extremamente rápido e oferecerá certos recursos suculentos (a câmera posicionada na frente sugere a possibilidade de videoconferência). Em outras palavras, o Incredible está na liderança, mas não se pode dizer nada mais a respeito por enquanto.
Por isso, aproveite a disputa entre Microsoft, HTC e Apple, que continua esquentando. Isso só pode significar celulares inteligentes mais inspiradores, mais liberdade de escolha e mais descobertas intrigantes nos achados e perdidos dos bares dos Estados Unidos.
Tradução: Paulo Migliacci
The New York Times